Os olhos do pai diziam:
"Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio
parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é
bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos
olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma
alegria estúpida e profunda.
XXVI.
Os olhos dos pobres
Apesar da temperatura acima de 30
graus Celsius, e da umidade que lhe fazia sentir um incomodo em cada poro do
seu corpo, se vestia de forma clássica. Uma camisa social branca, calças azul, sapato de couro negro de bico fino,
além disso usava um cinto de couro marrom e uma gravata fina ao molde italiano,
muito justo. Sentado em uma poltrona lia as ficiones
de Borges; Ao lado em um criado mudo uma pilha de livros das quais podemos
indicar um exemplar de Inocência do Visconde de Taunay, Dom Casmurro de Machado
de Assis, além desses dois exemplares uma versão traduzida em português
brasileiro de J.-K. Huysmans, Às avessas.
Talvez este último livro tenha significância para nosso personagem.
A
começar por seu nome João Divino Silva. Pela suas origens de ameríndio,
afro-americano e português desterrado. Queria ter sangue irlandês, escocês, ou
ao menos ter uma eugenia aristocrática Bourbon. Desejava um nome literário,
como Goethe, Flaubert ou Proust, ser peça única universal com seu nome, suas
origens, origens que dizem muita coisa, que transformam um nome comum como Borges
em sua ascendência militar hispânica criolla e Inglesa em algo superior. Silva,
apenas Silva. Nascido em um país de 200 milhões de Silva. Divino então só lhe
recobrava sua infância medíocre de classe média baixa em um bairro comum de sua
cidade nos tristes trópicos; Divino de fato era seu pai, um pequeno
comerciante. Podia ser ele um Barão, Barão de Toulouse , ser ele assim um
aleijado como Toulouse-Lautrec não faria diferença alguma. Sendo de classe
média ainda aceitaria até mesmo nascer como um Roth , Bellow ou Lewis em um
subúrbio americano de classe média, que apesar de sendo assim médio, possui uma
literalidade própria.
Todo
dia para superar esse seu desejo de ser parte de algo literariamente superior,
se vestia de melhor forma possível, mesmo ao calor típico dessa região do
continente. Roupas sociais justas, cachimbo, livros em baixo do braço. Queria
transcender a mediocridade. Construiu uma biblioteca particular com toda
literatura que lhe parecesse aticista. Pensava ser um Pessoa em meio à barbárie
Voltairiana, pensava até mesmo usar um leve sotaque Frances como Córtazar,
ainda que nunca tenha ido morar fora, nem tenha qualquer parentesco frances.
Se tornou professor titular de
Literatura Francesa da Universidade local.
Pedia claramente aos alunos. Chamem-me de Professor Divino Santos, ou
Doutor Divino Santos. Se alguém o chamava de Divino, Santos ou João , mesmo que
um colega professor, abominava, regredia. Queria ser um T.S. Eliot. Defendia
abertamente valores compreendidos como reacionários. Ainda que dissesse ser um
republicano, agnóstico,era tido contudo como alguém muito polido, em demasia;
Vivemos no Brasil, não na Europa. diziam-lhe ser eurocêntrico. Divino Silva
apenas se portava em concorrência com seus pensamentos de classicismo, de uma
elevação que agora na modernidade se parecia perdida, ainda que possível alcançar
pela hermenêutica diária. Queria apenas fugir de toda mediocridade, da pecha de
ser um mestiço em um trópico qualquer. Queria a beleza robusta da Europa. Beber
seus vinhos, usar suas roupas, e o principal, ter a postura de um Franco , Germânico
ou Saxão!
Assim sentado
em sua poltrona pensava, pensava como Policarpo Quaresma reformador louco da
nação; Que grande séria se assumissem todos um dia ao acordar uma postura
clássica, se fossem em peso as bibliotecas, as livrarias para pegarem livros de
Camões, Dante ou quem sabe até mesmo Schlegel dando alguma estética as praticas
cristãs no país. Pensava em pessoas como ele no pais, cultas e educadas, que se
respeitassem, que se encontrassem em fim do dia em cafés, discutindo grande
arte entre um café e licor. Em que parecem de exibir seus corpos de forma
desnecessária, ou andar de forma maltrapilha. Pensava ir à praia tomar
Champagne como estivesse em um quadro de Monet ou em livro passado na riviera francesa de Fitzgerald. Tudo lhe
cansava neste país. Muitos diziam na Universidade, porque não vá embora, vá
viver lá na frança, leia seu Mallarmé em meio aos tísicos bichonas europeus;
Sentia-se contudo um desejo de permanecer aqui, civilizar como um jesuíta estas
pobres pessoas. Era preciso superar este estágio de civilização atual, o
popularesco, o degenerativo, a luz e os gestos desmedidos, mostrar aos concidadãos
a beleza que o mundo pode transpor a quem busca a verdade.
Sua
adolescência foi dificílima, conheceu a literatura por acaso, não se recordando
o porque, sem dúvida não foi nem em sua casa, onde a cultura era paupérrima,
nem mesmo na escola, onde os professores eram tecnocratas. De qualquer modo leu
por acaso Dumas, Os três mosqueteiros. Lá ele viu um mundo em que a honra, a
coragem, o senso estético estava acima do “ir vivendo”. Leu Balzac, Stendhal,
leu Baudaliere, Rimbaud, quis por fim aprender o idioma de Molière. Leu
Iluministas, literatura moderna, filosofia existencialista. Fez birra com a
geração Nouvelle Romance; Como em um labirinto, foi abrindo portas, os ingleses
vitorianos, Dickens, Wilde, Lord Byron. Os românticos como Wordsworth. Lendo
essa poesia se encontrou com Alemães, força, polidez, determinação! Goethe, Kant, Hegel, Mann, Schiller,
Lassing, E.T.A Hoffmann. Eichenforff. Passaria a tarde falando sobre
estes prussianos e Alemães modernos! De lá foi um paço para os Russos,
Poloneses, escandinavos! Amava a Europa, a verdadeira Europa das Grandes
capitais, as médias cidades culturais que possuíam em seu intimo um Magnos
Opus, onde nomes, ruas pessoas tudo era belo, mesmo o mais vulgar como um clochard nas ruas de Paris. Foi o aluno brilhante, ainda que tenha tido
seus anos universitários de crises existenciais, sempre buscou o farol da
temperança.
Com as
mulheres nunca foi bom, nem com amigos, preferiu se afastar de todos que não
tivessem a seu ver o modo ideal para compatibilizar com seus pensamentos. Como
dito saiu logo de casa sem dizer adeus aos pais. Arrumou um apartamento no
centro, perto do que pensava ser o mais ideal de seu modo de vida, forrou-o de
livros , quadros, discos de Beethoven, Mozart e Chopin. Estudou a fio, sem sair
de sua cidade fez o mestrado e doutorado em Frances. Em um defendeu a tese da
influência de Flaubert e Balzac na literatura oitocentos brasileira. No Doutorado
criou um modelo interpretativo de À La
Recherche Du Temps Perdu, um paralelo com a literatura que se pretendeu
fazer , ou se pretende fazer e não se consegue em nosso país. Uns disseram
sobre suas pesquisas que era Eugênia literária, outros um simples fascista ou mesmo
esnobe, contudo por sua sorte os membros de sua mesa julgadora eram todos
francófonos exaltados como ele, nota máxima. Estudou sempre com uma bolsa,
sendo assim , ao terminar os estudos viu-se em uma situação econômica perigosa,
ou a dar aula em escolas de ensino colegial e de línguas gerais. Qualquer outra
área era quase impossível devido a insipiência cultural de onde residia.
Por ocaso, um professor do
departamento, voltando de um final de semana nas montanhas recebe uma rajada de
sol em seu rosto, que o faz perder o controle do veiculo despencando de um
barranco de alguns metros de altura na estrada sinuosa das serras. A
universidade resolve abrir um concurso emergencial para suprir esta cátedra em
pleno inicio do semestre letivo, João Divino Silva se escreve e passa em
primeiro lugar, discorrendo com destaque em uma questão sobre literatura
comparada de Machado de Assis e Valter Hugo.
Ele lê seu livro especialmente
absorto, sente-se por um momento realizado, sente-se muito só, contudo sente avec la lettre!
Nesse mesmo dia resolve de muito
bom humor ir ao café perto de sua residência, vai ler alguns poemas de Baudelaire,
ver pessoas, se sentir superior, Não apenas um Silva, mais talvez o único digno
desse clã generoso; No meio do caminho encontra um homem que por acaso esta
vestido de forma impecável como ele, segurando um livro em baixo dos braços,
quase como um espelho de si próprio. Este homem pergunta as horas ao estar
próximo a João Divino Silva. Ele responde “São 16:30”; Ele vê o relógio, o
livro é uma caixa de onde retire um revolver, ele impele que passe o relógio,
carteira e qualquer outro objeto de valor.
Exaltado por toda brutalidade e desespero o nosso personagem João Divino
Silva. Prof. Dr. Divino Silva, com seu terno impecável, um personagem saído de
algum romance de Proust, sofre uma inquice, solta um gemido, começa a sentir
dores. Ataca o furtador; Este dispara a queima roupa contra o homem meio
afeminado . Retira os objetos do corpo de nosso herói, joga o livro longe. Divino Silva morreu, agora
talvez esteja no panteão literário de ninfas e rosas com seus companheiros.