quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Tropicum et Deserta


"Não se muda a história com lágrimas"
"Quando todos pegarem em armas, todos pegarem em armas, até mesmo gente como você"
"Gente como nós, burgueses, fracos, mais eu assumo os riscos, eu assumo os riscos"
"Minha Consciência, Minha consciência está aqui no momento da verdade, na hora da decisão, na hora da luta, mesmo na certeza da morte"
"Não precisamos de herói"
"Precisamos resistir, resistir, eu preciso cantar, EU PRECISO CANTAR".

"Não é mais possível esta festa de medalhas, este feliz aparato de glórias, está esperança dourada nos planaltos, não é mais possível essa marcha de bandeiras, com guerra e cristo na mesma posição, oh assim não é possível, a ingenuidade da fé, a impotência da fé."Glauber Rocha - Terra em Transe (1967)


sexta-feira, 2 de novembro de 2012


O cortar das hélices no ar morno da primavera faz ao homem um sentido brusco de sua solidão, um tédio corriqueiro, demasiado talvez. Não há homem que não esteja só, a tudo alucinações, a tudo amores platônicos, amores que se possuem e se despreza. Ao desejo de ser rejeitado cria-se poemas, a permanência cria-se filhos e a compactuação diletante do tédio completo na noite vermelha do enfado universal e tropical.

               
Tédio
                Escorre
                                               Amor Bruto
Se perde
                               Na pior noite
No melhor dia

Amor
                Persona
Non Grata
Quem quer amor
                Quem quer amar?
O sexo delimita tudo?
                É preciso do que afinal?
               

                Quem quer falar?

                               FALAR FALAR FALAR
                               FALAR OUVIR FALAR
                               FALAR FALAR FALAR
                              
                               NADA FALO FALO FALO FALO FALO FALO NADA
                               NADA FALO FALO FALO SEXO FALO FALO NADA
                               NADA FALO FALO FALO FALO FALO FALO NADA
                               

In einem Jahr mit 13 Monden



Nesta película, Rainer Werner Fassbinder faz uma Ode se é possível, a falta de vigor, ao desespero e a morte. Tudo se relativiza , o eu, a família, a pátria até mesmo o amor.

O filme tem uma linearidade que se põe no fluxo de mostrar o personagem, sua vida, o local em que vive, superficialmente. Vemos de inicio um pobre transexual, como tantos marginalizados. Contudo, ao tempo o diretor vai adentrando no personagem, e adentrando na própria existência humana.

Vemos no inicio a história de Elvira/Erwin(Volker Spengler). Seu passado comum de um Alemão do pós-guerra, que vai a escola, arruma uma profissão, se apaixona, casa-se tem um filho . Contudo aqui a história parece se desconstruir do comum, assim como um Kafka que escreve um ser preso em si em um mundo medíocre e ilógico, Fassbinder debate-se o homem e suas construções sexuais, políticas, materiais, filosóficas.

Após o diálogo que ocorre em um matadouro de um frigorifico, onde é mostrado o abate de vacas, sendo degolado e o sangue jorrando pelo chão sujo enquanto o personagem até então um simples travesti, sem força e potência de existência aparente conta sua história. De que era um açougueiro, de que amou e teve uma filha, mais que por um amor largou tudo e fez uma operação de sexo, retirando o pênis.

O filme vai se encaminhando não obstante, do personagem e seu inconsciente. A cena de uma televisão ligada passando o discurso de Augustin Pinochet em 1978, uma cena de amor possivelmente francesa e uma cena do próprio Erwin/Elvira no seu quarto com seu amante da uma mudança substancial. Os personagens agora vão se encontrar em um quarto, luzes de vela, um homem em um espelho fosco como uma maquina levanta supinos, uma outra persona começa a falar sobre a vida, sobre a loucura, como não há saída, como estamos presos em corpos que nada significam, diferentemente do pensamento de que o corpo é a expressão da alma.

Em seguida o personagem vai a um convento conversar com uma freira, ela conta o passado de Elvira/Erwin. Foi tido por um descuido da mãe, o pai tão pouco queria saber do filho que foi jogado em um orfanato, lá ele descobriu a mentira, os jogos entre os homens, as máscaras necessárias para a sobrevivência. Poderia não apenas ser um convento de órfãos, mais uma escola comum onde dezenas de milhares de crianças foram todos os dias se tornarem cidadãos. Estas famílias podem ser também até mesmo as de “boa índole”, que transformam o animar em homem através da cultura parafraseando Immanuel Kant.  Este diálogo e tenso, carregado, aqui os personagens estão adentrando na superfície, na história conhecida, naquilo que conversamos e contamos diariamente em nossas vidas para amigos , familiares. Há uma ruptura no ritmo, agora o filme começa a apresentar um debate filosófico e político maior.

A peregrinação continua, Elvira/Erwin vai a um prédio conversar com sujeito chamado Anton Saitz [Gottfried John]. Um grande capitalista de Frankfurt. A conversa é sobre uma entrevista que ela deu em uma revista contando seu passado, sobre seu amor por ele, como ele construiu seu patrimônio de forma ilícita, etc. Entrando no prédio temos uma mudança, agora como entrando em um campo de divagações em que cada corredor e  sala representasse alguma coisa, medo –cena do tiroteio - , o humor ou inveja ou egoísmo – mulher rindo na fresta da porta – que faz lembrar muito o processo de Kafka .

Enquanto ela sobre este prédio, ela para em um andar abandonado, numa saleta ela em um canto vê um homem entrar, preparar uma corda, amarrar em uma viga, ela pergunta “você vai se suicidar?” Calmamente o personagem explica que o mundo e uma formatação do destino em que pese a miséria, a angustia e a morte, a vida é uma impotência, um julgamento final. Suicidar-se é uma potência frente a vida, não porque foge das dores e angustias, mais porque nega o prazer, nega como se deve dar a existência da vida, logo supera o destino. Isso não significa a vontade de viver. É um trecho realmente forte em que pede uma analise profunda do caminho da vida, o sentido e a moral ocidental.  Camus, Sartre, Sabato, os fenomenologistas, todos tentaram compreender ou dar uma resposta a esse “mito de sísifo” como escreve Camus, nada parece ser possível; Para Bergman é o amor, que é uma construa, que é o que o personagem Erwin/Elvira pede “só pedi um sorriso diário”. Tudo se desfalece, tudo é uma vontade necessária.

O personagem continua subindo o edifício e finalmente chega ao andar de Anton Saitz, o homem que ela busca para suas respostas e indagações. Nesta saleta ela trava relações um segurança,e em várias salas, que diametralmente dão uma sensação de vertigem, de aprofundamento na mente humana. Ela finalmente está a frente com Saitz, o seu grande amor , indivíduo. Este relembra uma dança infantil. Seu passado em comum, quando jovens trabalharam juntos, Elvira/Erwin se apaixona por ele mais nunca disse diretamente.  Eles vão para sua casa; Lá ele encontra sua companheira prostituta dormindo na cama, Saitz começa a se relacionar sexualmente com ela, Elvira que estava na cozinha preparando o café se sente atordoada, sai à rua; Procura sua família, sua ex-mulher e filha, quer reconstruir um laço familiar, um escape, a solidão é terrível, o engodo; Estas o renegam “já é muito tarde”. Procura então um casal de amigos, um psicólogo que subindo uma escada decanta a história contemporânea da Alemanha, os traumas da divisão, uma metáfora onde todos estão errados, todos foram culpados pelo nazismo e pelo comunismo, ninguém possui salvação, todos são homens afinal. Eles também após se encontrarem com Elvira/Erwin na entrada de sua casa negam ajuda, “amanhã preciso acordar cedo para dirigir”; Um toca disco soa  as memórias de Elvira/Erwin, uma consulta com o Psicólogo “A felicidade não existe, só a busca, e é isso que é excitante”. “Se Fosse Adenauer libertaria os prisioneiros em Moscou”, sobre os prisioneiros alemães presos pela URSS durante a guerra que foram trancafiados nos Gulags até a morte de Stalin em 1956, poucos saíram com vida. Aquela ela admite sua fragilidade, seu amor fátuo, de como viveu pelos outros e nunca por ela mesmo. A potência que não significa viver, e sim morrer. É isso que ocorre no fim do filme. Como se não houvesse volta, como desde o começo soubéssemos que é a única escapatória, em um mundo opressivo e sujo como em um romance de Franz Kafka. A morte é a liberação final e necessária. A dignidade humana.