sábado, 5 de maio de 2012

Identidade Silva



Os olhos do pai diziam: "Como é bonito! Como é bonito! Parece que todo o ouro do pobre mundo veio parar nessas paredes." Os olhos do menino: "Como é bonito, como é bonito, mas é uma casa onde só entra gente que não é como nós." Quanto aos olhos do menor, estavam fascinados demais para exprimir outra coisa que não uma alegria estúpida e profunda.
                                                                                              XXVI. Os olhos dos pobres

Apesar da temperatura acima de 30 graus Celsius, e da umidade que lhe fazia sentir um incomodo em cada poro do seu corpo, se vestia de forma clássica. Uma camisa social branca, calças  azul, sapato de couro negro de bico fino, além disso usava um cinto de couro marrom e uma gravata fina ao molde italiano, muito justo. Sentado em uma poltrona lia as ficiones de Borges; Ao lado em um criado mudo uma pilha de livros das quais podemos indicar um exemplar de Inocência do Visconde de Taunay, Dom Casmurro de Machado de Assis, além desses dois exemplares uma versão traduzida em português brasileiro de J.-K. Huysmans, Às avessas.  Talvez este último livro tenha significância para nosso personagem.
                A começar por seu nome João Divino Silva. Pela suas origens de ameríndio, afro-americano e português desterrado. Queria ter sangue irlandês, escocês, ou ao menos ter uma eugenia aristocrática Bourbon. Desejava um nome literário, como Goethe, Flaubert ou Proust, ser peça única universal com seu nome, suas origens, origens que dizem muita coisa, que transformam um nome comum como Borges em sua ascendência militar hispânica criolla e Inglesa em algo superior. Silva, apenas Silva. Nascido em um país de 200 milhões de Silva. Divino então só lhe recobrava sua infância medíocre de classe média baixa em um bairro comum de sua cidade nos tristes trópicos; Divino de fato era seu pai, um pequeno comerciante. Podia ser ele um Barão, Barão de Toulouse , ser ele assim um aleijado como Toulouse-Lautrec não faria diferença alguma. Sendo de classe média ainda aceitaria até mesmo nascer como um Roth , Bellow ou Lewis em um subúrbio americano de classe média, que apesar de sendo assim médio, possui uma literalidade própria.
                Todo dia para superar esse seu desejo de ser parte de algo literariamente superior, se vestia de melhor forma possível, mesmo ao calor típico dessa região do continente. Roupas sociais justas, cachimbo, livros em baixo do braço. Queria transcender a mediocridade. Construiu uma biblioteca particular com toda literatura que lhe parecesse aticista. Pensava ser um Pessoa em meio à barbárie Voltairiana, pensava até mesmo usar um leve sotaque Frances como Córtazar, ainda que nunca tenha ido morar fora, nem tenha qualquer parentesco frances.
Se tornou professor titular de Literatura Francesa da Universidade local.  Pedia claramente aos alunos. Chamem-me de Professor Divino Santos, ou Doutor Divino Santos. Se alguém o chamava de Divino, Santos ou João , mesmo que um colega professor, abominava, regredia. Queria ser um T.S. Eliot. Defendia abertamente valores compreendidos como reacionários. Ainda que dissesse ser um republicano, agnóstico,era tido contudo como alguém muito polido, em demasia; Vivemos no Brasil, não na Europa. diziam-lhe ser eurocêntrico. Divino Silva apenas se portava em concorrência com seus pensamentos de classicismo, de uma elevação que agora na modernidade se parecia perdida, ainda que possível alcançar pela hermenêutica diária. Queria apenas fugir de toda mediocridade, da pecha de ser um mestiço em um trópico qualquer. Queria a beleza robusta da Europa. Beber seus vinhos, usar suas roupas, e o principal, ter a postura de um Franco , Germânico ou Saxão!
                Assim sentado em sua poltrona pensava, pensava como Policarpo Quaresma reformador louco da nação; Que grande séria se assumissem todos um dia ao acordar uma postura clássica, se fossem em peso as bibliotecas, as livrarias para pegarem livros de Camões, Dante ou quem sabe até mesmo Schlegel dando alguma estética as praticas cristãs no país. Pensava em pessoas como ele no pais, cultas e educadas, que se respeitassem, que se encontrassem em fim do dia em cafés, discutindo grande arte entre um café e licor. Em que parecem de exibir seus corpos de forma desnecessária, ou andar de forma maltrapilha. Pensava ir à praia tomar Champagne como estivesse em um quadro de Monet ou em livro passado na riviera francesa de Fitzgerald. Tudo lhe cansava neste país. Muitos diziam na Universidade, porque não vá embora, vá viver lá na frança, leia seu Mallarmé em meio aos tísicos bichonas europeus; Sentia-se contudo um desejo de permanecer aqui, civilizar como um jesuíta estas pobres pessoas. Era preciso superar este estágio de civilização atual, o popularesco, o degenerativo, a luz e os gestos desmedidos, mostrar aos concidadãos a beleza que o mundo pode transpor a quem busca a verdade.
                Sua adolescência foi dificílima, conheceu a literatura por acaso, não se recordando o porque, sem dúvida não foi nem em sua casa, onde a cultura era paupérrima, nem mesmo na escola, onde os professores eram tecnocratas. De qualquer modo leu por acaso Dumas, Os três mosqueteiros. Lá ele viu um mundo em que a honra, a coragem, o senso estético estava acima do “ir vivendo”. Leu Balzac, Stendhal, leu Baudaliere, Rimbaud, quis por fim aprender o idioma de Molière. Leu Iluministas, literatura moderna, filosofia existencialista. Fez birra com a geração Nouvelle Romance; Como em um labirinto, foi abrindo portas, os ingleses vitorianos, Dickens, Wilde, Lord Byron. Os românticos como Wordsworth. Lendo essa poesia se encontrou com Alemães, força, polidez, determinação! Goethe, Kant, Hegel, Mann, Schiller, Lassing, E.T.A Hoffmann. Eichenforff. Passaria a tarde falando sobre estes prussianos e Alemães modernos! De lá foi um paço para os Russos, Poloneses, escandinavos! Amava a Europa, a verdadeira Europa das Grandes capitais, as médias cidades culturais que possuíam em seu intimo um Magnos Opus, onde nomes, ruas pessoas tudo era belo, mesmo o mais vulgar como um clochard nas ruas de Paris.  Foi o aluno brilhante, ainda que tenha tido seus anos universitários de crises existenciais, sempre buscou o farol da temperança.
                Com as mulheres nunca foi bom, nem com amigos, preferiu se afastar de todos que não tivessem a seu ver o modo ideal para compatibilizar com seus pensamentos. Como dito saiu logo de casa sem dizer adeus aos pais. Arrumou um apartamento no centro, perto do que pensava ser o mais ideal de seu modo de vida, forrou-o de livros , quadros, discos de Beethoven, Mozart e Chopin. Estudou a fio, sem sair de sua cidade fez o mestrado e doutorado em Frances. Em um defendeu a tese da influência de Flaubert e Balzac na literatura oitocentos brasileira. No Doutorado criou um modelo interpretativo de À La Recherche Du Temps Perdu, um paralelo com a literatura que se pretendeu fazer , ou se pretende fazer e não se consegue em nosso país. Uns disseram sobre suas pesquisas que era Eugênia literária, outros um simples fascista ou mesmo esnobe, contudo por sua sorte os membros de sua mesa julgadora eram todos francófonos exaltados como ele, nota máxima. Estudou sempre com uma bolsa, sendo assim , ao terminar os estudos viu-se em uma situação econômica perigosa, ou a dar aula em escolas de ensino colegial e de línguas gerais. Qualquer outra área era quase impossível devido a insipiência cultural de onde residia.
Por ocaso, um professor do departamento, voltando de um final de semana nas montanhas recebe uma rajada de sol em seu rosto, que o faz perder o controle do veiculo despencando de um barranco de alguns metros de altura na estrada sinuosa das serras. A universidade resolve abrir um concurso emergencial para suprir esta cátedra em pleno inicio do semestre letivo, João Divino Silva se escreve e passa em primeiro lugar, discorrendo com destaque em uma questão sobre literatura comparada de Machado de Assis e Valter Hugo.

Ele lê seu livro especialmente absorto, sente-se por um momento realizado, sente-se muito só, contudo sente avec la lettre!
Nesse mesmo dia resolve de muito bom humor ir ao café perto de sua residência, vai ler alguns poemas de Baudelaire, ver pessoas, se sentir superior, Não apenas um Silva, mais talvez o único digno desse clã generoso; No meio do caminho encontra um homem que por acaso esta vestido de forma impecável como ele, segurando um livro em baixo dos braços, quase como um espelho de si próprio. Este homem pergunta as horas ao estar próximo a João Divino Silva. Ele responde “São 16:30”; Ele vê o relógio, o livro é uma caixa de onde retire um revolver, ele impele que passe o relógio, carteira e qualquer outro objeto de valor.  Exaltado por toda brutalidade e desespero o nosso personagem João Divino Silva. Prof. Dr. Divino Silva, com seu terno impecável, um personagem saído de algum romance de Proust, sofre uma inquice, solta um gemido, começa a sentir dores. Ataca o furtador; Este dispara a queima roupa contra o homem meio afeminado . Retira os objetos do corpo de nosso herói,  joga o livro longe. Divino Silva morreu, agora talvez esteja no panteão literário de ninfas e rosas com seus companheiros.


terça-feira, 1 de maio de 2012

Identidade Kétzez



Az Égből dühödt angyal dobolt
Riadót a szomoru Földre,
Legalább száz ifjú bomolt,
Legalább száz csillag lehullott,
Legalább száz párta omolt:
Különös,
Különös nyár-éjszaka volt
.
Do alto do céu um anjo enraivecido
tocou o alarme para a terra triste.
Endoidaram cem jovens pelo menos,
caíram pelo menos cem estrelas,
pelo menos cem virgens se perderam:
foi uma estranha,
estranhíssima noite de verão.
Endre Ady. Emlékezés egy nyár-éjszakára(Recordação de uma noite de verão).

Fernando Rodrigues Kétzez. 24 anos, solteiro. Filho de Mãe Portuguesa. Pai, Sr. Kétzez. Húngaro, Ateu. Kétzez filho quer ser escritor. Acorda todo dia às 8 da manhã. Sempre tem dor de cabeça e nos olhos. Fuma um cigarro. Vai ao ginásio. Na volta toma um banho, bebe chá gelado e fuma outro cigarro. Estuda idiomas. Inglês, Frances, Russo, Italiano, Húngaro, este último já fluente na idiomática. Quer ser tradutor e professor de literatura. Quer buscar suas origens. Seu pai tem medo da modernidade. É um pária em seu país estrangeiro. Não deseja contudo voltar as terras magiares; Designe, cores, gosta do diferente. Gosta do roxo. Odeia laranja. Odeia pessoas que não respeitam a si mesmo e suas origens. Odeia seu afeto as origens, gostaria de romper tudo. Todos os outros húngaros que conheceu são filhos de Judeu. Ele é um caso parte. Seu pai saiu da Hungria porque era ateu, porque não havia estudado e tinha que descarregar caminhões com caixotes de verduras vinda do interior no mercado de Buda, Em peste conheceu um poeta com nome estranho e engraçado FERNANDO PESSOA! Surpresa, Lisboa do Tejo ancestral, decidiu largar tudo – ou nada -  aos 25 e ir para a cidade da praia mais ocidental européia; Salazar é o pequeno papa local. Não existe lugar pior para um ateu, húngaro, sem instruções básicas; Resolvi ir ao Brasil, lá poderia ler Fernando Pessoa, lá havia muita terra, iria encontrar uma comunidade húngara, iria plantar a terra de dia, a noite iria ler, quem sabe terminar os estudos. A guerra estourou. Leu Drummond “Sentimento do Mundo”, não serei poeta de um mundo caduco; Leu  Florbela Espanca “Sonetos”. Chorou, Resolveu amar uma nativa, conheceu Amália, de Azinhaga, nem as paredes confessaram suas noites de amor com um calor trôpego; Casaram, em 58 Kétzez terminará o ginásio que em sua infância não pôde; Nasceu seu filho, Fernando, em homenagem a Pessoa e à sua esposa portuguesa. Para que seu filho tenha mais sorte do que nos campos vai para São Paulo; Estuda , vê seu pai sempre lendo, entretanto sabe que ele não é um intelectual; Aos 15 começa a trabalhar no escritório de um grande jornal. Aos 18 entra na universidade de letras eslavas. Começa a publicar contos anônimos no jornal como Johannes Niëf. Um redator o descobre um dia em um canto do escritório usando a maquina de um jornalista ausente. O convida para escrever nas páginas policiais; Descobre Raskólnikov de Dostoievski. Descobre também Jair Picada. O primeiro preto pobre furado por balas com o crânio sovado e os olhos para fora das orbitas; Escreve de forma apaixonada pela miséria da moral. Ninguém é tão superior assim por coisa alguma. Aos 23 se forma. Aos 25 traduz seu primeiro livro húngaro, dois anos depois em russo; Se dedica contudo ao húngaro. Aos 26 termina seu mestrado, aos 30 o doutorado. Larga o jornal para se tornar escritor e professor na Universidade. Seu pai morre aos 32, deixa como herança além de seu nome em comum, seu amor aos magiares, um baú com recordações, cadernos de apontamentos. Revive a infância pobre do pai; Seu avô Kétzez da o ensino primário, morre contudo em uma de tantas revoluções do Império Austro-Húngaro decadente. Abandona Jászapáti , então com 18 anos e vai para Budapeste. Mora em pensões, pega a gripe espanhola. Não morre, mais ao desfalecer sendo cuidado por amigos, pede um livro , fausto de Goethe. Sua vida nunca mais seria a mesma após essa intervenção. Lê muito, trabalha muito. Mais Pessoa foi à pedra angular em sua vida.
         Kétzez filho com 33 deseja conhecer o país de seu pai. Pensa nele como as rapsódias Húngaras de Liszt. Uns pais pobre, comunista, contudo muito culto e alegre. Vai para Hungria.

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Se surpreende com Budapeste. Se surpreende com o comunismo taciturno. Se surpreende com Ägota. Poetisa, romântica pelos trópicos. Kétzez diz que em sua cidade as pessoas não são tão frias, contudo são pobres almas, deitadas por militares, que ao menos os comunistas dão educação e casas, em nossa terra todos negros morrem, fala da primeira vez que viu um homem pobre morto e teve que escrever sobre aquilo; Em um mês que no inicio seriam uma semana, se casa com a poeta para que ela possa vir morar no Brasil. Faz pós-doutorado na Alemanha, é convidado para dar aula em Frankfurt. Aceita. Vai morar com sua esposa, seu filho nasce, ele já tem 38. Aos 45 resolve voltar ao Brasil, quer que seu filho sinta alguma identidade. Sua esposa morre no parto da segunda filha. Homenageia de Amália Espanca Kétzez. Seu filho se chama Carlos, por Drummond. Este aos 15 tem seu primeiro coma alcoólico. Aos 20 larga duas faculdades, uma de medicina e outra de economia. Um dia lê um poeta húngaro, Andre Ady. Diz que vai morar na Hungria, país que estava se abrindo dos anos de comunismo. Após dois anos consegue cidadania Húngara. Entra na universidade de Eotvos Lorand, no departamento de língua portuguesa. Aos 26 se forma, faz mestrado e doutorado. Conhece uma portuguesa que faz farmacologia; Ela conhece Ady, aos 30 anos eles se casam. Seu pai morre sem nunca ter visitado o filho depois de ele ter ido para Hungria. Ele chora. Le Ady, bebe a noite toda. Ele diz que sua raiz não significa nada, pois seu choro impregna a terra inteira.


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